terça-feira, 16 de abril de 2019

As flores de plástico

Conheço-o da rua a passear, ajudado pela bengala. É utente da SCMM e por vezes sobe a Rua das Portas da Vila para vir aqui à mercearia, normalmente para comprar uma garrafa de vinho tinto para oferecer a um familiar que o visita regularmente.
Entrou logo cedo e disse rapidamente:
- Tem cá flores de plástico?
Eu chateada digo:
- Bom dia
Diz novamente:
- Tem cá flores de plástico?
E eu insisto:
- Bom dia
E ele volta à carga:
- Não tem? Flores de plástico?
Desisto desarmada e faço cara feia
Ele aproxima-se do balcão e diz-me:
- Desculpe menina, mas eu ouço cada vez menos
(merceeira engole em seco, afinal não era má educação ou má vontade, é só surdez)
- Precisava de um ramos de flores de plástico, quero ir visitar a minha mulher ao cemitério e não tenho transporte para ir a Castelo de Vide tratar disso, os chineses sei que têm, mas resolvi entrar para lhe perguntar.
- Lamento imenso mas não, só tenho um ramo de flores secas...Ai, espere lá...tenho lá em cima um pequeno, vou buscar.
Trago um ramo bem bonito que comprei uma vez na Loja do Gato Preto e nunca cheguei a dar uso.
- Oh que pena, são tão bonitas, mas são pequenas. A campa da minha senhora é larga e tem uma jarra muito grande, iam cair lá para dentro, não dá. Obrigada por ter ido lá acima e tudo. Eu vou aqui ao taxi a ver se resolvo uma ida a Castelo de Vide. Obrigada na mesma.
- Ora essa. Tenha um bom dia
Ele sai devagar e não me responde novamente ao bom dia. Mas desta vez não faz mal, não me importo, não levo a mal. Não temos que levar a mal todas as falhas dos outros. Ficamos mais leves quando perdoamos as pequenas falhas, E se procurarmos bem, cá dentro de nós, há sempre razões maiores que nos ajudam a aceitar , e a entender.

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