domingo, 29 de junho de 2025

"O Rei que Caiu da Torre" - O conto dos dias que passam


Era uma vez, num reino distante, onde havia um monte com um castelo altaneiro , um rei chamado Dom Teimoso I. Vivia no alto da sua torre de granito, rodeado por uma corte que lhe fazia vénias tão profundas que às vezes ficavam com torcicolos por três dias seguidos.
A corte era formada por nobres de fina estampa e língua mais fina ainda, especializados em beijar anéis, levantar taças e virar casacas — por esta ordem. Enquanto o rei brilhava, eles brilhavam junto, como espelhos sujos numa sala mal iluminada. Chamavam-no de "Sol de Justiça", "Estrela do Alvor", "Guardião do Reinado e dos Restos do Banquete".
Mas eis que veio a crise.
Foi um vendaval de desgraças: maus conselhos, más decisões, más companhias, más ideias — um verdadeiro festival de "más". O castelo já não reluzia, a torre tinha infiltrações, e os jornais davam notícia desta desgraça e corrupção. A coroa pesava, e os sorrisos da corte ficaram mais apertados que os fatos de gala.
A corte, sensível como termómetro em febre alheia, começou a afastar-se discretamente. Primeiro pararam de fazer vénias, depois começaram a tossir sempre que o rei passava, e por fim, convidaram-no educadamente a abdicar. Um deles — o Conde de Muda-Rumo — chegou a dizer:
"Majestade, talvez Vossa Alteza devesse fazer uma pausa real. Ir, sei lá... pastorear, meditar, fazer azeite para o lagar. Por nós, claro. Pelo reino. Pela posteridade!"
O rei, fragilizado, caiu. Mas não literalmente (havia corrimões). Caiu no conceito, na praça pública e, sobretudo, caiu na conta de que a sua corte não passava de um grupo de bailarinos que só dançava ao som da fanfarra da vitória.
No passado, esta corte já tinha cortejado outros reis, outros candidatos, outras siglas. Fizeram juras de lealdade a quem estivesse de pé, enquanto chutavam discretamente quem estivesse de joelhos. Diziam mal do antigo rei em jantares, em cafés e até na fila do confessionário.
Mas o mundo, como a roda da carroça do velho ferreiro, gira.
E um dia, por astúcia, acaso ou tédio da desgraça, Dom Teimoso I voltou a erguer-se. Retomou o trono, agora um pouco mais desconfiado, um pouco mais ranzinza e — o mais importante — com binóculos na mão. Binóculos, sim, para ver de longe quem vinha bajular e lembrar-se quem partiu na primeira borrasca.
A corte, claro, voltou a correr. Chamaram-lhe de novo "Sol", "Luz", "Fénix", e garantiram que tinham sempre acreditado nele (embora os arquivos do reino dissessem o contrário). Culpavam agora a oposição, a imprensa, a astrologia e até a má colheita de nabos pelo afastamento do rei.
Esqueceram-se de que o povo, embora simples, não tem memória curta. Viram bem quem andou a acenar a outras bandeiras, quem renegou jantares antigos, e quem trocou fidelidade por conveniência.
Mas mais do que o povo, quem não esqueceu foi o próprio rei.
Dom Teimoso I, de novo em cima da torre, agora não convidava para banquetes os bajuladores de ocasião. Recebia poucos, ouvia menos, sorria quase nunca. E quando o Conde de Muda-Rumo lhe ofereceu um brinde, ele respondeu:
“Obrigado, Conde, mas prefiro água. A vossa taça cheira a esquecimento.”
E assim viveu, governando com cautela, binóculos e um diário secreto onde escrevia, todas as noites, os nomes daqueles que o traíram — com tinta permanente.

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