Em quatro
anos de Mercearia nunca um objecto tinha gerado tanta conversa e tanto
comentário.
Eu entendo,
de facto não é óbvio, é preciso conhecer a realidade do mundo rural para
perceber.
Quando um
cliente olhava e mexia, logo a seguir perguntava:
- Para que
serve?
E se eu não
respondia imediatamente levantavam-se várias hipóteses. Aqui ficam algumas:
- É para
marca o leite creme?
- É para
segurar as portas?
- É para
servir de “rolha” de garrafa?
- É para
marcar massas?
Mas não,
nada disso. O nome varia consoante a terra: chavetas ou cáguedas são duas das designações
(ambas do Alto Alentejo) . Mas afinal o que são?
Pois bem: Arte
pastoril. Arte do pastor, madeira esculpida com a navalha…para prender os
chocalhos dos animais no campo (cabras, ovelhas ou vacas).
Os floreados
são a marca do autor ou ainda a forma de diferenciar os animais.
Encontrei-as
este Verão na Feira de Artesanato de Arronches. O artesão, um senhor bem
velhote, fazia-as para ocupar o tempo. Lindas, perfeitas, de uma harmonia
arabesca mas no fundo, tão simples.
Comprei
vários carretos por atacado. Sabia que não ia encontrar este senhor muitas mais
vezes. Percebi pela sua idade e disposição, que não era uma arte com
continuidade, e talvez por isso mesmo, para mim, ainda mais preciosa.
Apesar da
estranheza, a verdade é que venderam bem. Não são realmente úteis para nada
(quer dizer, eu também não experimentei marcar o leite creme com elas,
confesso). Mas fazem parte de um universo em extinção, de práticas
ultrapassadas.
Porque na
Mercearia já só restava um exemplar, na semana passada o Nuno disse-me: Vou
falar com o meu colega de Arronches, ele pode conhecer o tal velhote das
chavetas.
E bem dito
bem feito, sendo o mundo uma aldeia, a verdade é que conhecia mesmo. Trouxe-me
esta manhã dois carretos. As últimas doze unidades.
O senhor,
pela idade, já não consegue ver bem e por isso tornou-se incapaz de as “esculpir”.
Peças
simples, curiosas, até enigmáticas. Mas que afinal, são peças de sempre.
Ainda mais
preciosas, ainda mais especiais, porque são mesmo as últimas.
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