quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

As chavetas de Arronches



Em quatro anos de Mercearia nunca um objecto tinha gerado tanta conversa e tanto comentário.
Eu entendo, de facto não é óbvio, é preciso conhecer a realidade do mundo rural para perceber.
Quando um cliente olhava e mexia, logo a seguir perguntava:
- Para que serve?
E se eu não respondia imediatamente levantavam-se várias hipóteses. Aqui ficam algumas:

- É para marca o leite creme?
- É para segurar as portas?
- É para servir de “rolha” de garrafa?
- É para marcar massas?

Mas não, nada disso. O nome varia consoante a terra: chavetas ou cáguedas são duas das designações (ambas do Alto Alentejo) . Mas afinal o que são?

Pois bem: Arte pastoril. Arte do pastor, madeira esculpida com a navalha…para prender os chocalhos dos animais no campo (cabras, ovelhas ou vacas).
Os floreados são a marca do autor ou ainda a forma de diferenciar os animais.

Encontrei-as este Verão na Feira de Artesanato de Arronches. O artesão, um senhor bem velhote, fazia-as para ocupar o tempo. Lindas, perfeitas, de uma harmonia arabesca mas no fundo, tão simples.
Comprei vários carretos por atacado. Sabia que não ia encontrar este senhor muitas mais vezes. Percebi pela sua idade e disposição, que não era uma arte com continuidade, e talvez por isso mesmo, para mim, ainda mais preciosa.

Apesar da estranheza, a verdade é que venderam bem. Não são realmente úteis para nada (quer dizer, eu também não experimentei marcar o leite creme com elas, confesso). Mas fazem parte de um universo em extinção, de práticas ultrapassadas.

Porque na Mercearia já só restava um exemplar, na semana passada o Nuno disse-me: Vou falar com o meu colega de Arronches, ele pode conhecer o tal velhote das chavetas.
E bem dito bem feito, sendo o mundo uma aldeia, a verdade é que conhecia mesmo. Trouxe-me esta manhã dois carretos. As últimas doze unidades.
O senhor, pela idade, já não consegue ver bem e por isso tornou-se incapaz de as “esculpir”.
Peças simples, curiosas, até enigmáticas. Mas que afinal, são peças de sempre.
Ainda mais preciosas, ainda mais especiais, porque são mesmo as últimas.

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